quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

Torna-se tanto mais fácil como mais difícil vivenciar a sensação de ser um estrangeiro.

Ilustração de C. Corr

Pela primeira vez na história, por todo o mundo, ser um estrangeiro é uma condição perfeitamente normal. Não é mais diferente que ser alto, gordo ou canhoto. Ninguém levanta as sobrancelhas para um francês em Berlin, um zimbabuense em Londres, um russo em Paris, um chinês em New York. O desejo de muitas pessoas, as quais foi oferecida a oportunidade, de viver em países que não o seu, conflita com o consenso político e filosófico estabelecido a muito, que o ser humano é melhor em casa. Os filósofos, é verdade, raramente prosperaram em locais estrangeiros: Kant passou a vida toda na cidade de Königsberg; Descartes foi à Suécia e morreu de frio. Mas, isto não é justificativa para generalizar o conservadorismo dos filósofos a toda a humanidade. O erro da filosofia foi presumir que o ser humano, por ser um animal social, deve pertencer a uma sociedade em particular. Herder, um filósofo prussiano do século 18, lançou conceitos modernos de nacionalismo argumentando que o ser humano apenas poderia ser bem sucedido entre seu próprio povo com o qual compartilha sua língua e cultura. “Cada nacionalidade mantém seu centro de alegria dentro dela mesma,” escreveu Herder.Mesmo um filósofo liberal moderno exemplar, Isaiah Berlin, considerou sedutora este tipo de lógica emocional. “Todos têm o direito de viver em alguma sociedade na qual não têm que se preocupar constantemente com a sua aparência diante de outros, e dessa maneira ser fisicamente corrompido, condicionado a algum grau de duplicidade, disse Berlin em 1992, próximo ao fim de sua vida, explicando seu apoio ao Sionismo. E sim, sem dúvida, muitas pessoas sentem-se muito mais tranquilas com um lar e uma pátria. Mas, e quanto aos outros, que consideram o lar opressor e a estrangeirice libertadora? Destes é a escolha que torna-se tanto mais fácil como mais difícil de exercer a cada ano que passa. Mais fácil, porque a globalização da indústria e da educação extingue fronteiras. Mais difícil, porque há menos locais neste mundo globalizado aos quais é possível ir e sentir-se totalmente estrangeiro ao chegar. Há tempos, é verdade, que na América ninguém pode ser estrangeiro porque todos são estrangeiros. Nas capitais da Europa, essa mesma condição paradoxal, mais ou menos, foi alcançada – especialmente em Bruxelas, a capital com estilo próprio da Europa, em que décadas de migração econômica foram reforçadas pela entrada de burocratas da União Européia. Lá, a animosidade entre belgas falantes das línguas holandesa – e francesa os tornaram estrangeiros uns para os outros, mesmo em seu próprio país. Para compreender plenamente o que significa ser estrangeiro, é necessário ir à África, ou ao Oriente Médio, ou a partes da Ásia. Na Coréia do Sul, no ano passado, 42% da população jamais havia, conscientemente, falado com um estrangeiro. Bem, é melhor que estes estejam preparados. O número de residentes estrangeiros no país dobrou nos últimos sete anos, para 1.2mi, ou mais de 2% da população. E esta parcela pode aumentar: a média de nascidos estrangeiros no mundo rico é maior que 8% de uma determinada população.


Estrangeiros por excelência
A experiência normalmente mais satisfatória de estrangeirice—completa mistificação, mas sem sensação de rejeição—provavelmente ainda é sentida ao passar algum tempo no Japão. Para o estrangeiro, o Japão é uma nação parecida com a Disneylândia, na qual todos têm um papel bem definido a desempenhar, incluindo o estrangeiro, cuja tarefa é ser estrangeiro. Tudo contribui para facilitar esta atuação, incluindo uma enorme barreira linguística. Os japoneses acreditam que sua língua é tão difícil que contribui como algo que impede um estrangeiro de falá-la. A religião e a moralidade parecem estar tranquilamente longe das normas Cristã, Islâmicas ou Judaicas. As inquietações sobre o Japão poder se ocidentalizar, cultural e economicamente, foram atenuadas pelo crescimento da influência chinesa. Este está se tornando mais asiático, não menos.Mesmo no Japão, no entanto, os estrangeiros pararam de funcionar como objetos de veneração, estudo e ocasionalmente consumo. Era uma vez, nos mundos antigos e medievais, que para ser considerado realmente um estrangeiro, era necessário procurar uma vida entre pessoas de diferente cor de pele ou religião. Estas, provavelmente, estão a uma distância impossivelmente longa, estas provavelmente lhe matariam quando você chegasse, e se você fosse muito adiante poderia cair da extremidade do mundo. No alvorecer de uma era de viagens, ao escrever um código legal imaginário para uma sociedade Utópica que chamou de Magnésia, Platão dividiu os estrangeiros em duas categorias principais. “Aliens residentes” aos quais era permitido estabelecer-se por até 20 anos para realizar os trabalhos indignos dos Magnesianos, como o comércio varejista. Os “Visitantes temporários” consistiam de embaixadores, mercadores, turistas e filósofos. Amplie esta última categoria para incluir todos os estudantes, e você terá uma taxionomia de viajantes que se mostrou efetiva até a invenção das despedidas de solteiro. Ser um estrangeiro tornou-se mais simples a partir do século 17, quando a Europa adotou um sistema político baseado nos estados-nação, cada um com fronteiras, soberania e cidadania. Com os documentos de viagem em mãos, era possível tornar-se um estrangeiro oficialmente conhecido, simplesmente visitando o país visinho—que, com o avanço do transporte mecanizado, tornou-se uma tarefa ainda mais comum. No início do século 20 a maior parte do mundo estava similarmente compartimentalizada. A era dourada da estrangeirice gentil iniciou. Os abastados, os artistas, os entediados, os aventureiros foram para o exterior. (As grandes massas foram também, quando os impérios, navios a vapor e estradas de ferro tornaram o viajar mais barato e fácil.) A estrangeirice era um meio de fuga—física, psicológica e moral. Em outro país é possível escapar da fácil classificação através da sua educação, seu trabalho, sua classe, sua família, seu sotaque, sua formação política. É possível reinventar a si mesmo, ainda que, só em sua mente. Não somos apanhados pelo mundanismo do local onde moramos, não mais do que gostaríamos de ser. Não votamos no governo, estes problemas não são seus. Somos irresponsáveis. A irresponsabilidade pode parecer, para moralistas, uma condição insatisfatória para um adulto, mas, na prática pode ser um grande alívio.Os escritores, em particular, parecem florescer no exílio, real ou autoimposto. As qualidades deste—deslocamento, ansiedade, desorientação, inconveniência, melancolia—tornam-se a sensibilidade literária moderna. Um escritor vivendo no estrangeiro pode reduzir as limitações percebidas do país e da cultura. Este não é mais um autor inglês, ou um autor irlandês, ou um autor russo, é simplesmente um Autor: pense em James Joyce, Christopher Isherwood, Vladimir Nabokov, Samuel Beckett, Joseph Brodsky. Tornou-se, e continua sendo, incorreto classificar o escritor pelo seu país. Todos desejam ser escritores do mundo, e o mundo retribui esta aspiração. Dos dez últimos vencedores do prêmio Nobel de literatura, cinco (V.S. Naipaul, Gao Xingjian, J.M. Coetzee, Doris Lessing e Herta Müller) eram emigrados. Um vencedor mais antigo do prêmio Nobel, Ernest Hemingway, estabeleceu as regras básicas para o escritor, como estrangeiro, quando constituía parte da comunidade expatriada em Paris em 1920: morar em Saint-Germain-des-Prés (ou equivalente), trabalhar em cafés, encontrar outros artistas, beber muito. Nem todos podem ser Hemingway. Muitos estrangeiros, atualmente, são estudantes comuns, gestores estafados, cônjuges acompanhantes. O homem expatriado em Bangkok é bem mais livre que a mulher expatriada em Jeddah. A parcela de estrangeiros involuntários é ainda pior. Uma vida de estrangeirice imposta pela pobreza ou perseguição ou exílio é improvável que se torne divertida de alguma maneira. Apesar disso, todas as outras coisas permanecendo iguais, a estrangeirice é intrinsecamente estimulante. Como um bom jogo de bridge, a condição de ser um estrangeiro envolve constantemente a mente, sem cansá-la. John Lechte, um professor Australiano de teoria social, caracteriza a estrangeirice como “uma fuga do tédio e da banalidade diários”. A mudança torna-se “super-real”, e vivenciada “com uma intensidade evocativa de eventos de uma biografia verdadeira”.Um psicólogo infantil, Alison Gopnik, ao procurar uma analogia para esclarecer o mundo quando vivenciado por um bebê, comparou com Paris vivenciado pela primeira vez por um americano adulto: uma representação da novidade, cor, e emoção. Reverter a analogia pode nos levar a perceber que viver num país estrangeiro pode evocar muitas das emoções da infância: novidade, surpresa, ansiedade, alívio, fraqueza, frustração, irresponsabilidade. Pode ser a sensação de voltar a infância que, conscientemente ou não, oferece ao prazer da estrangeirice sua parcela de embaraço. O narcisismo também pode fazer parte. Quando no exterior, imagina-se que os amigos e inimigos, em casa, sintam nossa falta. Por trás de tudo há a culpa pela traição. Escolher a estrangeirice é um ato de deslealdade para com o seu país de origem. A idéia de deslealdade é menos incômoda agora. Mas, há um século ou mais atrás, era uma marca de desvio comportamental para um cavalheiro inglês admitir o desejo de viver em outro local que não fosse a Inglaterra. O melhor argumento para passar algum tempo no exterior era o de que era possível avaliar melhor as virtudes do lar. “O que eles devem saber da Inglaterra, que apenas a Inglaterra sabe?” escreveu Kipling.


Sou um alien
Atualmente, é possível dizer que quanto mais conhecemos sobre outros países, mais nossos valores estarão incluídos em toda a humanidade. Preparamo-nos, começando com a antropologia. Todo estrangeiro com uma mente curiosa torna-se um antropólogo em meio período, admirando e sorrindo para os novos rituais sociais do seu país adotivo. George Mikes, um Húngaro vivendo na Inglaterra, escreveu um livro deste gênero chamado “How To Be An Alien”, (Como Ser um Estrangeiro) publicado em 1946. Este não era exatamente sobre como ser um estrangeiro, mas sobre a visão de um estrangeiro da sociedade britânica, e era muito engraçado. Mikes corretamente percebeu que a maioria dos códigos sociais possui algo de arbitrário e absurdo. Se acontecer de não constituirmos parte destes, como um estrangeiro jamais constitui, a vida pode ser uma contínua comédia.Mikes escreveu mais tarde, ironicamente, que esperava que seus amigos britânicos ficassem irritados com a imagem debochada que este retratou o país deles. No entanto, estes pareceram divertir-se muito. Mikes ridicularizou uma cultura suficientemente segura para rir dela mesma, e sua admiração e afeição por esta estavam claras. Entretanto, as coisas poderiam ter dado errado. Os estrangeiros reclamam mais que deveriam, e os nativos não gostam deles, se for escrever um livro chamado “Como Ser Um Estrangeiro” hoje, e desejar que este se torne um manual sério de instruções para ser utilizado em qualquer lugar do mundo, este deve consistir apenas de três regras. Pagar seus impostos, falar inglês e ser gentil com o país em que está vivendo. Extremamente gentil. Evitar inclusive críticas comuns. Não vá à casa de alguém e comece a mudar os móveis de lugar. Talvez, os estrangeiros são, por natureza, difíceis de satisfazer. Um estrangeiro é, afinal de contas, alguém que não gosta suficientemente do seu país para permanecer nele. Ainda assim, o estrangeiro queixoso demonstra certa contradição lógica. Este se queixa do país no qual se encontra, mesmo que esteja lá por opção. Por que não vai para casa? O estrangeiro responde a esta pergunta pensando em si mesmo como no exílio—se não no sentido judicial, mas no sentido espiritual. Algo dentro dele o levou para longe da sua pátria. Quase sente ciúmes do verdadeiro exílio. A vida no estrangeiro é uma aventura. Quanto maior poderia ser aventura, quanto mais intenso o sentimento de estrangeirice poderia ser, se não houvesse possibilidade de voltar? Para o verdadeiro exílio, a estrangeirice não é uma aventura, mas um teste de resistência. O poeta Romano Ovídio, banido para um canto úmido do império, queixou-se de que o exílio o estava arruinando “como um ferro armazenado é enferrujado por áspera corrosão/ou um livro armazenado atrai cupins”. Edward Said, um estudante palestino-americano nascido em Jerusalém, capturou o romance e a dor do exílio quando o chamou de “uma estranha atraente idéia, mas uma terrível experiência”. O verdadeiro exilado, diz ele, é alguém que não pode “voltar para casa nem em espírito nem de fato”, e cujas realizações são “permanentemente enfraquecidas pela perda de algo que foi deixado para trás para sempre”.O estrangeiro voluntário está exatamente na posição oposta, por um tempo, de alguma maneira. Seu prazer pela vida é intensificado, não enfraquecido, pela ausência da pátria. E a pátria é um local para o qual pode retornar a qualquer momento.


De dor e prazer
O engraçado é que, com o passar do tempo, algo acontece com os estrangeiros de longo prazo que os torna mais parecidos com verdadeiros exilados, e estes não gostam disso. A pátria que estes abandonaram muda. A cultura, a política, e seus velhos amigos mudam, morrem, os esquecem. Estes sentem-se estrangeiros, mesmo quando visitam o “lar”. Jhumpa Lahiri, uma britânica que escreve sobre descendentes Indianos vivendo na América, registra algo parecido em seu romance, “The Namesake” (O Homônimo). Ashima, que é um emigrado Indiano, compara a experiência da estrangeirice àquela de “um parênteses naquilo que uma vez foi uma vida comum, apenas para descobrir que a vida anterior desapareceu, foi substituída por algo mais complicado e exigente”.

Cuidado, então: não importa quão bem você supere, quanto você se divertiu, há uma perigosa ressaca em ser um estrangeiro, mesmo um estrangeiro gentil. Em algum lugar, bem escondido, espreita a saudade de casa, com metástases que com o passar do tempo levam a uma variável incurável, a nostalgia. E a nostalgia tem muito em comum com a ideia Freudiana de melancolia—uma sensação de perda contínua e debilitante, em algum lugar no qual repousa a raiva pela coisa perdida. Não é a possibilidade de retornar para casa que alimenta a nostalgia, mas a impossibilidade desta. Julia Kristeva, uma intelectual Búlgara estabelecida na França, mencionou esta sensação de privação comparando a experiência da estrangeirice com a perda de uma mãe.Mas, não podemos esperar ter tudo. A vida é cheia de escolhas, e escolher uma coisa é renunciar a outra. O dilema da estrangeirice se reduz ao dilema da liberdade versus fraternidade—os prazeres da liberdade versus os prazeres da propriedade. A pessoa caseira escolhe os prazeres da propriedade. O estrangeiro escolhe os prazeres da liberdade, e as dores que a acompanham.

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